Rumo a Bizâncio
I.
Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber.
II.
Um velho é coisa sem valor,
Um andrajo apoiado num bordão, a não ser que
A alma aplauda e cante, e cante mais alto
Cada farrapo da sua mortal veste.
Nem há escola de canto somente o estudo
Dos monumentos de seu próprio esplendor;
Por isso cruzei os mares e cheguei
À sagrada cidade de Bizâncio.
III.
Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
Qual dourado mosaico sobre um muro,
Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
E sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
E atado a um animal agonizante
Ele não sabe o que é; juntai-me
Ao artifício da eternidade.
IV.
Da natureza liberto jamais de natural coisa
Retomarei minha forma, meu corpo,
Mas formas outras como as que o ourives grego
Em ouro forja e esmalta em ouro
Para que o sonolento Imperador não adormeça;
Ou em dourado ramo pousado, cantarei
Para damas e senhores de Bizâncio
Cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá.
poema de William Butler Yeats, tradução de José Agostinho Baptista
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Citações relacionadas
Se você me esquecer
Eu quero que você saiba uma coisa.
Você sabe como, como é:
se eu olhar a lua de cristal,
os ramos rubros
do lento outono em minha janela,
se eu tocar perto do fogo
a implacável cinza,
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva a você,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos
que navegam
em direção às tuas ilhas que me esperam.
Bem, agora...
se pouco a pouco você deixar de me amar,
vou parar de te amar, pouco a pouco.
Se, de repente,
você me esquecer,
não olhe para mim,
pois eu já me esqueci de você.
Se você considera longo e louco,
o vento das bandeiras
que passa pela minha vida,
e você decide
me deixar na praia,
do coração em que tenho raízes,
Lembre-se...
que naquele dia,
àquela hora,
eu levantarei meus braços,
e minhas raízes partirão
a procurar outra terra.
Mas, se cada dia, cada hora,
você sente que você está destinado para mim,
com doçura implacável,
se a cada dia uma flor
sobe até seus lábios a me procurar,
Ah... Meu Amor, Ah Meu...
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada é extinguido ou esquecido,
Meu Amor se alimenta do seu Amor Amado,
e enquanto você viver,
estará em seus braços,
sem deixar os meus!
poema de Pablo Neruda
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Soneto XVII
Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
poema de Pablo Neruda in Cem Sonetos de Amor (1959), tradução de Carlos Nejar
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O Corvo
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minhalma dessa sombra que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
poema de Edgar Allan Poe (1845), tradução de Fernando Pessoa
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Carrego seu coração
Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde eu for, você vai, minha querida
Não temo o destino
Você é meu destino, meu doce
Não quero o mundo pois, beleza
Você é meu mundo, minha verdade
Eis o segredo que ninguem sabe
Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto
E o céu do céu
De uma arvore chamada vida
Que cresce mais do que a alma pode esperar
Ou a mente pode esconder
E esse é o prodigio
Que mantem as estrelas a distancia
Carrego seu coraçao comigo
Eu o carrego no meu coraçao.
poema de E.E. Cummings
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Atravessa Esta Paisagem o Meu Sonho
Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito
E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios
Que largam do cais arrastando nas águas por sombra
Os vultos ao sol daquelas árvores antigas...
O porto que sonho é sombrio e pálido
E esta paisagem é cheia de sol deste lado...
Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio
E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol...
Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo...
O vulto do cais é a estrada nítida e calma
Que se levanta e se ergue como um muro,
E os navios passam por dentro dos troncos das árvores
Com uma horizontalidade vertical,
E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro...
Não sei quem me sonho...
Súbito toda a água do mar do porto é transparente
E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse
desdobrada,
Esta paisagem toda, renque de árvore, estrada a arder em aquele
porto,
E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa
Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem
E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,
E passa para o outro lado da minha alma...
poema de Fernando Pessoa
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Tempo
Cada momento tem seu próprio significado,
Para mim, para vós, para ele.
Em cada instante há uma acção principal,
para mim, para vós, para ele.
Cada momento é decisivo,
Para mim, para vós, para ele.
Cada momento pode mudar a vossa vida, a minha, a sua,
Hoje, amanhã, depois de amanhã, para sempre.
Por um único instante, vós podeis ser um grande rei,
Sobre mim, sobre vós, sobre todos.
Num único momento vós podeis perder,
Tudo, um pouco, ou nada...
poema de Cornelia Păun Heinzel, tradução de Susana Custódio
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Soneto de fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
poema de Vinícius de Moraes (1960)
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A Missão do Poeta
Porque o sonho é a base da poesia
e sem ele não há inspiração
o poeta tem por primazia
transmitir do seu sonho a emoção
E dos sonhos que a sua mão desenha
em cada verso fluirá o amor
e cada dor encontra a esperança prenha
das carícias da alma do autor
Não é um Deus menor que lhe acalenta
a tristeza que às vezes o domina
e que o seu coração não afugenta
Por que o induz a mágoa a entender
as agruras da vida e dos irmãos
e as mãos a todos ele quer estender
poema de Eugénio de Sá (2008)
Adicionado por Cornelia Păun Heinzel
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Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Fernando Pessoa in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação
Adicionado por Dan Costinaş
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O pássaro azul
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo, fique aí, não deixarei
que ninguém o veja.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou duro demais com ele,
eu digo,
fique aí, quer acabar
comigo?
quer foder com minha
escrita?
quer arruinar a venda dos meus livros na
Europa?
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?
poema de Charles Bukowski, tradução de Paulo Gonzaga
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Floresta, porque tremes?...
– Floresta, porque tremes?
Não chove, o vento não uiva,
Nem te estremece a ramagem.
– Como posso não tremer
Se o meu tempo está a findar!
Morre o dia, nasce a noite
E fenecem os meus ramos.
Nas folhas velhas um sopro gélido
os meus cantores afugenta;
com o seu hálito outonal
Parte o Verão, chega o Inverno
como não hei-de tremer
vendo as aves abalar
E pelo céu gélido passam
os bandos de andorinhas,
com elas vão meus sonhos
e ficam os pensamentos
Uma a uma vão voando
e o dia noite se faz
nos instantes que me fogem
num bater de asas fugaz.
E eu fico desamparada
tremendo fria, gelada
Meus sonhos foram com as aves
e toda a minha alegria
voou para longe também.
poema de Mihai Eminescu
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Dinheiro é tão importante para minha vida social assim como minha saúde é para meu corpo.
citação de Mason Cooley
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O Lavrador Assustado
Eu fui para o campo na folga que tive;
O estranho talvez riu, não cheguei a ver;
A choça, pronta pra abrigar-me de chuva;
E o livro em meu bolso foi lido sem mora.
O pássaro abrigou-se, mas logo foi embora;
O cavalo veio ver, e alegre quedou;
Ficou em silêncio e mexeu a cabeça,
Parecendo ouvir o poema que eu lia.
O lavrador talvez volte após a lida
Pensando a que tinha vindo aquele ser,
Sentado a um canto, lendo, o dia todo,
A gargalhar ao fim de cada leitura.
Outro pássaro sobrevoou, e se debruça
Onde o corvo grita feito um camponês;
A cotovia no alto me enfeitiçou,
Então sentei e me uni ? melodia.
Eu bem pude aturar o tosco campônio:
Seu louvor nada vale, sua censura é inútil;
A fama atiçou-me, e lidei todo o dia
Té os campos poderem viver no meu poema.
poema de John Clare, tradução de Luís Augusto Fischer
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Laerte: Seja pois o seu corpo depositado na campa, e possam d'elle e da sua carne, pura e sem manha, desabrochar violetas! Sou eu que t'o digo, padre sem alma, minha irmã gosará no céu a bemaventurança eterna, emquanto que tu extorcer-te-has no inferno nas convulsões do supplicio dos condemnados.
diálogo in Hamlet, Acto quinto, Cena I, roteiro de William Shakespeare (1599), tradução de D. Luís I, Rei de Portugal
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Uma capa
Uma capa fiz do meu canto
Debaixo a cima
Bordada
De antigas mitologias;
Mas tomaram-na os tolos
Para exibi-la ao mundo
Como se por eles fora lavrada.
Deixa, canto, que a tomem
Pois maior feito existe
Em andar nú.
poema de William Butler Yeats in Responsabilidades (1914), tradução de José Agostinho Baptista
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Sim, a mesma lógica que me mostra que um homem não nasce para ser casado, ou para ser português, ou para ser rico ou pobre, mostra-me também que ele não nasce para ser solidário, que ele não nasce senão para ser ele-próprio, e portanto o contrário de altruísta e solidário, e portanto exclusivamente egoísta.
Fernando Pessoa in O Banqueiro Anarquista (1922)
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Fúria nas Trevas o Vento
Fúria nas trevas o vento
Num grande som de alongar,
Não há no meu pensamento
Senão não poder parar.
Parece que a alma tem
Treva onde sopre a crescer
Uma loucura que vem
De querer compreender.
Raiva nas trevas o vento
Sem se poder libertar.
Estou preso ao meu pensamento
Como o vento preso ao ar.
poema de Fernando Pessoa
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Submeti as verdades fundamentais da fé a um estudo minucioso. Li as obras dos apologetas e de seus adversários, avaliei as razões a favor e contra e assim obtive argumentos relevantes que tornam a religião (bíblica) tão digna de confiança ao espírito científico que uma alma com pensamentos nobres ainda não pervertida por pecado e paixão não pode senão abraçá-la e afeiçoar-se a ela. Peço a Deus que minha profissão de fé, que me foi solicitada e que eu forneço com alegria, escrita de próprio punho e por mim assinada, possa ser apresentada a todos, pois não me envergonho do Evangelho.
citação de Alessandro Volta
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Ser poeta
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E năo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhăs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizę-lo cantando a toda a gente!
poema de Florbela Espanca in Charneca em Flor (1930)
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Glosa
Quem me roubou a minha dor antiga,
E só a vida me deixou por dor?
Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga,
Me deixou só no fogo e no torpor?
Quem fez a fantasia minha amiga,
Negando o fruto e emurchecendo a flor?
Ninguém ou o Fado, e a fantasia siga
A seu infiel e irreal sabor...
Quem me dispôs para o que não pudesse?
Quem me fadou para o que não conheço
Na teia do real que ninguém tece?
Quem me arrancou ao sonho que me odiava
E me deu só a vida em que me esqueço,
“Onde a minha saudade a cor se trava ?”
poema de Fernando Pessoa
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