O Menino de Sua Mãe
No plano abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
— Duas, de lado a lado —,
Jaz morto e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lha a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
poema de Fernando Pessoa
Adicionado por Dan Costinaş
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Nunca mais tornaria a vê-lo, mas, no outono de sua desesperança, por algumas horas, tinha deixado de ser esposa fiel, dona de casa, mãe amorosa, funcionária exemplar, amiga constante e voltado a ser simplesmente mulher.
Paulo Coelho in Onze Minutos (2003)
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O amor passou. Mas conservo-lhe uma affeição inalteravel, e não esquecerei nunca - nunca, creia - nem a sua figurinha engraçada e os seus modos de pequeneina, nem a sua ternura, a sua dedicação, a sua indole amoravel. Pode ser que me engane, e que estas qualidades, que lhe attribúo, fossem uma illusão minha; mas nem creio que fossem, nem, a terem sido, seria desprimor para mim que lh'as attribuisse.
citação de Fernando Pessoa (1920)
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Dream Song 14
A vida, amigos, é um tédio. Não devemos dizer isso.
Afinal, o céu faísca, o grande mar anseia,
nós próprios faiscamos e ansiamos,
e ainda por cima em pequeno a minha mãe dizia-me
(repetidamente) «Confessares-te entediado
significa que não tens
Recursos próprios.» Concluo agora não ter
recursos próprios, pois sinto um tédio de morte.
As pessoas entediam-me,
a literatura entedia-me, especialmente a grande literatura,
o Henry entedia-me, com as suas queixas & os seus tendões
tão anquilosados como os de Aquiles,
o qual ama as pessoas e a arte valorosa, o que me entedia.
E as plácidas colinas, & o gin dão-me seca
e de alguma forma um cão
levou-se a si & à sua cauda para bem longe
para as montanhas ou o mar ou o céu, deixando-
-me a menear.
poema de John Berryman in The Dream Songs (1969), tradução de Daniel Jonas
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Durante o fim-de-semana os urubus enfiaram-se pelas varandas da casa presidencial, desfizeram à bicada as redes de arame das janelas e remexeram com as asas o tempo estancado no interior e na madrugada de segunda-feira a cidade acordou do seu letargo de séculos com uma morna e mole brisa de morto grande e de apodrecida grandeza.
Gabriel García Márquez in O Outono do Patriarca (1975), tradução de José Teixeira de Aguilar
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Os meus pais se separaram quando eu tinha 12 ou 13 anos. A minha mãe morreu quando eu tinha 16. A única coisa que me restava, então, era a música. Se eu quero manter tudo sob controle, é por medo, é por ter sido abandonado. Temo me aproximar das pessoas, não sei como fazê-lo. Não sei como temos que fazê-lo.
citação de James Hetfield
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Não te admires de certo laconismo nas minhas cartas. As cartas são para as pessoas a quém não interessa mais fallar: para essas escrevo de boa vontade. A minha mãe, por exemplo, nunca escrevi de boa vontade, exactemente porque gosto muito d'ella.
citação de Fernando Pessoa (1920)
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Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grãos erguem desdenhosamente a cabeça para o Céu, enquanto que as cheias as baixam para a terra, sua mãe.
citação de Leonardo da Vinci
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A ignorância é a mãe das tradições.
citação de Montesquieu
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Soneto I
Tornai, tornai, Senhor, ao Tejo undoso,
Vinde honrar-lhe outra vez a clara enchente,
E deixai que ajoelhe entre a mais gente
Hum protegido humilde, e respeitoso.
Não leva a vossos pés rogo teimoso
De importuno cansado pertendente;
Vem beijar-vos a mão humildemente,
A mão augusta que o fará ditoso.
Pois foi por Vós benignamente ouvido,
Não vai fazer em pertenções estudo,
Vai só mostrar-vos que he agradecido.
Ante Vós ajoelha humilde, e mudo:
Mostrai-lhe que inda he Vosso protegido;
Que se isto lhe ficou, ficou-lhe tudo.
poema de Nicolau Tolentino de Almeida in OBRAS POSTHUMAS DE NICOLÁO TOLENTINO DE ALMEIDA, Lisboa 1828
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Hamlet: Bebe os restos d'esta taça, incestuoso assassino, damnado dinamarquez. Procura a perola, achal-a-has seguindo minha mãe.
diálogo in Hamlet, Acto quinto, Cena 2, roteiro de William Shakespeare (1599), tradução de D. Luís I, Rei de Portugal
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Encómio à minha mãe
Mãe minha amiga e companheira,
Professora do meu difícil caminhar,
Frágil vigor sem mostrar canseira,
Soubeste bem ensinar o verbo amar!
Noites longas sempre à cabeceira,
Tendo esta débil saúde para zelar,
Cuidados mil! A melhor enfermeira,
A tua grande vitória foi me salvar!
Presto da minha vida partiste!
Eu, de olhar imenso, vago e triste
Sozinha fiz as jornadas da mocidade,
Vês o amor que habita em mim?
Vagueio só, na lembrança do teu jardim
E nele habito quando a saudade invade
poema de Susana Custódio (2 maio 2010)
Adicionado por Cornelia Păun Heinzel
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A Missão do Poeta
Porque o sonho é a base da poesia
e sem ele não há inspiração
o poeta tem por primazia
transmitir do seu sonho a emoção
E dos sonhos que a sua mão desenha
em cada verso fluirá o amor
e cada dor encontra a esperança prenha
das carícias da alma do autor
Não é um Deus menor que lhe acalenta
a tristeza que às vezes o domina
e que o seu coração não afugenta
Por que o induz a mágoa a entender
as agruras da vida e dos irmãos
e as mãos a todos ele quer estender
poema de Eugénio de Sá (2008)
Adicionado por Cornelia Păun Heinzel
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Sempre animal
Sem fazer nada, um leão é um leão:
e um pobre homem deve enfrentar a morte
para ter a honra de ser comparado
com aquele animal que, sem esforço, é forte.
De grandes pensamentos a alma infeliz
nutre-se, até que se eleva a excelsos lugares.
Um grande prêmio lhe aguarda. Então se diz
que verdadeiramente você é uma águia.
Desate uma suabilíssima harmonia,
a sua dor intensa e ardente,
faça disso uma sublime poesia.
e lhe dirão que você é um rouxinol.
Mas, finalmente, para não ser um animal
o que deve fazer o homem? não fazer nada?
Não ter nem angústia nem irritação?
Se assim o fizer, de burro lhe chamarão.
poema de Luigi Pirandello in Rivista d’Italia (outubro 1901), tradução de Valmir Luis Saldanha da Silva
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Não tardou, e a rainha teve uma filha de descrições idênticas ao seu pedido: branca como a neve, com os cabelos negros como o ébano e os lábios vermelhos como o sangue. Mas, tão logo sua filha veio ao mundo, a rainha morreu. O pai deu à filha o nome de Branca de Neve.
Irmãos Grimm in Branca de Neve (1812)
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Foi da revolta que lhe estou figurando por estas considerações que nasceu o meu anarquismo de então — o anarquismo que, já lhe disse, mantenho hoje sem alteração nenhuma.
Fernando Pessoa in O Banqueiro Anarquista (1922)
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Você acha que eu lhe trouxe aqui para pilotar avião? Pare imediatamente de voar.
citação de Ruben Berta
Adicionado por Dan Costinaş
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Saudades não as Quero
Bateram fui abrir era a saudade
vinha para falar-me a teu respeito
entrou com um sorriso de maldade
depois sentou-se à beira do meu leito
e quis que eu lhe contasse só a metade
das dores que trago dentro do meu peito
Não mandes mais esta saudade
ouve os meus ais por caridade
ou eu então deixo esfriar esta paixão
amor podes mandar se for sincero
saudades isso não pois não as quero
Bateram novamente era o ciúme
e eu mal me apercebi de que batera
trazia o mesmo ódio do costume
e todas as intrigas que lhe deram
e vinha sem um pranto ou um queixume
saber o que as saudades me fizeram
Não mandes mais esta saudade,
ouve os meus ais por caridade,
ou eu então deixo esfriar esta paixão,
amor podes mandar se for sincero,
saudades isso não pois não as quero.
poema de Afonso Lopes Vieira
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O Corvo
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minhalma dessa sombra que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
poema de Edgar Allan Poe (1845), tradução de Fernando Pessoa
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Leda e o Cisne
Súbito golpe: as grandes asas a bater
Sobre a virgem que oscila, a coxa acariciada
Por negros pés, a nuca, um bico a vem reter;
O peito inane sobre o peito, ei-la apresada.
Dedos incertos de terror, como empurrar
Das coxas bambas o emplumado resplendor?
Pode o corpo, sob esse impulso de brancor,
O coração estranho não sentir pulsar?
Um tremor nos quadris engendra incontinenti
A muralha destruída, o teto, a torre a arder
E Agamêmnon, o morto.
Capturada assim,
E pelo bruto sangue do ar sujeita, enfim
Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder,
Antes que a abandonasse o bico indiferente?
poema de William Butler Yeats, tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos
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Pai Ubu: Ah! Porcaria! E o direito injusto não vale tanto quanto o justo? Ah! Assim você me insulta, Mãe Ubu, vou fazê-la em pedaços.
diálogo in Ubu Roi, Terceiro ato, Cena 1, roteiro de Alfred Jarry (1896), tradução de Sergio Flaksman
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